O punho era a lei no interior da China do século XIX. O rapaz, de família de poucos recursos, revezava-se em funções no campo e em outros pequenos trabalhos enquanto desenvolvia habilidades marciais que o permitissem enfrentar os inimigos que encontrasse pela vida. Mas foi o emprego numa farmácia na parte oeste de Yongnian que mudou o rumo de tudo. Certa vez, uma gangue tentou atacar o estabelecimento. O rapaz assistiu, assombrado, a um colega enfrentar e dominar o grupo, usando técnicas desconhecidas. O rapaz era Yang Luchan. E foi assim que ele, pela primeira vez, viu o Tai Chi Chuan.
O caminho não foi simples. Primeiro, Yang Luchan treinou com o proprietário da farmácia que, vendo suas capacidades, logo o enviou a Chen Jia Gou, a vila da Família Chen, na província de Henan. Mas o Mestre Chen Chang Xing, a 14a. geração, com quem Yang Luchan foi se aperfeiçoar, mantinha a transmissão dos ensinamentos da família reservada a quem dela fizesse parte.
Anos então se passaram. Paciente, Yang Luchan passou a observar de longe os treinamentos e, muito dedicado, aprendeu sozinho. Quando a oportunidade se apresentou, impressionou o Mestre e foi finalmente recebido como aluno. Em seus anos com a Família Chen atingiu tal grau de habilidade que ficou conhecido como “Yang, o Invencível”. Foi enviado então a Beijing para ser Treinador-Chefe da Guarda Imperial, na Dinastia Qing.
A partir daí, as histórias do estilo Chen e do estilo Yang se separam. Yang Luchan constatou que muitos membros da guarda e também da corte do Imperador não conseguiam realizar alguns movimentos vigorosos do estilo Chen. Também observou que aqueles que praticavam o Tai Chi Chuan tinham saúde melhor e eram mais resistentes. Por meio dos treinos, guardas feridos também conseguiam se recuperar mais rapidamente.
Preocupado em tornar a arte acessível a um número maior de pessoas, Yang Luchan foi, aos poucos, modificando a forma Chen para torná-la mais lenta, com movimentos mais contínuos e alongados, para que todos pudessem praticar, preservando ao mesmo tempo suas características marciais. Assim foi criada a chamada “Forma Velha” do Estilo Yang, e teve início uma outra linhagem da arte.
Yang Chengfu, neto de Yang Luchan, criou a Forma Longa, praticada até hoje, conhecida também como a Forma dos 103 Movimentos. Yang Chengfu também formalizou o que se chama de “Os 10 Princípios”, que norteiam a prática e marcam os pontos essenciais a serem seguidos durante a execução da seqüência. Esses dez pontos contemplam desde o alinhamento correto do corpo até a coordenação interna e externa. Esse princípios são a base de treinamento do estilo Yang.
Yang Chengfu divulgou o Tai Chi Chuan não apenas como arte marcial, mas como sistema integrado de saúde. Esteve entre os primeiros professores a oferecer aulas abertas ao público em geral, entre 1914 e 1928. Em 1925 ditou para seu discípulo Chen Wei Ming o “Livro da Arte do Tai chi Chuan” (Taijiquan Shu). Em 1934, ditou o livro “Princípios Completos e Aplicações do Tai chi Chuan” ( Taijiquan Tiyong Quan Shu). Essas obras estão disponíveis hoje em dia.
Filho de Yang Chengfu, Grão-Mestre Yang Zendhuo, nascido em 1926, realizou várias viagens para fora da China e iniciou o caminho de expansão internacional do estilo. Em 1995 foi considerado pela Academia Chinesa de Wushu como um dos 100 maiores mestres da China de todos os tempos.
Mais de um século depois de Yang Luchan, o caminho continua se abrindo. Yang Jun, tataraneto de Yang Luchan, bisneto de Yang Chengfu e neto de Yang Zendhuo, mudou-se para Seattle, nos Estados Unidos, em 1999, onde criou a Yang Family International Tai Chi Chuan Association, que já tem representantes nos cinco continentes, além de se expandir também no seu próprio berço de origem. Em 2017, a associação inaugurou nova sede em Kunming, sul da China, além de um centro de treinamento em Beijing.
Na América Latina, o número de praticantes do estilo cresce com consistência. Mestre Yang Jun vem anualmente ao Brasil para transmitir os ensinamentos transmitidos desde Yang Luchan. No ocidente, a figura do “Mestre” é difusa. Não há, como no Oriente, a tradição do respeito e veneração por quem representa uma linhagem e carrega consigo uma sabedoria complexa. Por isso, as oportunidades de contato com verdadeiros mestres são preciosas. É um privilégio único receber ensinamentos diretamente de Mestre Yang Jun. E mergulhar de maneira ainda mais profunda nesta arte do corpo e do espírito. Que o Tai Chi Chuan se perpetue por gerações infinitas!